Perfil do
AUTOR
Fred Furtado
Fred Furtado é documentarista da vida local e do mundo tendo dirigido 3 documentários; escritor com 2 livros publicados; apaixonado por música e suas manifestações na vida; aventureiro por essência. Mergulhador PADI, andarilho caminhante, ciclista. Acredita que trabalhar é contribuir para tornar as vidas das pessoas melhores. E a missão é ir sempre em frente, morro acima.
Blog
Pelo Sertão do Rosa
Sobre este relato: Há uma aventura literária filosófica acontecendo embrenhada no interior de Minas Gerais chamada O Caminho do Sertão, de Sagarana ao Grande Sertão: Veredas. Em 2019 terá sua 6ª edição. Um trajeto de 180km percorrido por mais de 100 pessoas vindas de áreas e lugares e culturas completamente diversos. Inicia em Sagarana, primeiro local de assentamento em Minas Gerais, distrito criado em homenagem e inspirado por João Guimarães Rosa. E o caminho vai até o Parque Grande Sertão Veredas, em Chapada Gaúcha. Sete noites acampadas, cada qual em um lugar perdido de existência, por baixo de um céu 5 milhões de estrelas. Fomos nos banhar no Urucuia, o rio do amor do livro do Rosa. Tanta e toda vida acontecida logo ali. Montar barraca ao anoitecer, desmontar antes do amanhecer. Mais que encantador, é um momento de reflexão da vida, de tudo que nos cerca, pois que cercados de sertão e de pessoas do sertão é fato que iremos nos questionar de como vivemos a cidade. Eu fui selecionado para a 3ª edição desta caminhada – sim, há um edital, você precisa querer muito ir passar esse perrengue existencial maravilhoso e ser selecionado, além de custear sua alimentação e transporte – e imediatamente após voltar derramei um relato desta aventura. Segue aqui o texto e o convite a repensarmos a revolução necessária ao meio ambiente, a nossa casa toda.‍Meu caminho pelo sertão do RosaOra pois no ôxi então! Vem! Né! Espiaaaaa....Caminho que o senhor fez foi caminho árduo dificultoso no então do ido, foi que foi? É que não. É que é travesso, de serpentina de poeira e rodamoinho de pé-de-valsa no baldio da multidão dos andantes que só e pó. É que foi. Um no depois do outro, o mundo indo, outros lugares. Assim, de passo dado feito mãos dadas. Roda de ciranda e de preparo do corpo pro pro-ir. Eu fui. O outro eu fui. Os outros fui. Eu fui em todos que foram. Todos me foram. Nós então agora somos. Caminhamos o caminho do sertão em terceira edição. Haja amanhã pra tanto hoje, houve. Teve.Rumei trecho. Saído dos loucos na cidade, entre as rosas e os campos, as vertentes, os também gerais, as bárbaras cenas rumo arriba. Sete. Setecentos. E setenta. E sete. É. Pareceu pirraça de brincadeira. Mas foi o GoogleMaps o pierrot dessa picardia. Foram esses os quilômetros (entre) a minha Barbacena e a nossa Sagarana. O meu Ponto de Partida.Esse texto bobo é para cumpliciar com vosmecês a fadiga do meu peito que brinda escrivinhadura com o contar das experiências do andarilho maltrapilho que me rodopia dentro do peito. Um sete em cada panturrilha, a pois! Sete centímetros cada, na idade dos 34 anos (3 + 4 é sete outra vez), na ida da virada do setênio nos 35! Arre! Eles falam. Eles dizem. A cabala, a astrologia, a numerologia, a crise dos casais, as profecias e os anjos deve que dizem também, ou não, pelo contrário.E o meu Ponto de Partida é o grupo de teatro. Todo meu de nosso. Daqui também dos loucos artistas criadores de vida. E o segredo maior do meu sonho-delírio que lhes conto: a música, O Amanhecer, cantarolado por Daiana e assobiado por Gustavo. É canção composta pelo moço conhecido, o tal Fernando Brant, que configurou no desenho do rabisco a letra tendo de contraponto a melodia composta pelo moço que faz do violão uma orquestra, o sinhô Gilvan de Oliveira. A música, cantada em vez primeira pelo pequeno Pablo Bertola, aos 5 anos, foi trilha de um espetáculo belo chamado O Beco, que diz que “quem é do Beco, é seco é pau, por milagre fica em pé. Quem é do Beco não é bom nem mau, sete vidas, tem na fé.... quem tem amigos na vida... está mais perto de ter Deus!”. E aí, que quando ouvi a Daiana, às 04 do dia, meus olhos abriram achando que até a abertura deles era ainda o sonho indo.Vosmecês e vosmecêsas exculpem esse jeito meu de falar do quintal da minha rua, é que é nele que eu entendi que é tudo casa, até a casa nua despida de cidade que é o sertão todo. E eu fui indo né, com vocês, com eles, sendo guiado pela vontade do peito de buscar rumo sem rumo, indo fondo, igual o andarilho que eu criei para perambular mundo. É que ir é o mesmo que o estar, só que sendo de bicicleta, um pouco mais rápido que o passo, um pouco mais lento que o tudo. É ir fondo mesmo.Nos tempos em que li o Grande Sertão do Guimarães eu tive epifanias. De que tudo que precisa ser escrito, dito ou compreendido estava ali. Um relicário precioso. Um baú de Pandora com a capsula do tempo mesclados, feito Deus e o diabo. E encontrar a um bando contatado para travessar juntos foi a mais honesta forma de realizar um sonho que um homem em seu meio caminho de tempero de vida pode encontrar com honestidade. Ver a literatura ganhar folhagem e a folhagem ser o cenário da ficção mais real que já li. Compreender a força pungente e arguta da arte em se fazer parte da vida cotidiana de todos os tipos de gentes (entre) as boas-ruins-boas e as doutas-sábias-rotas. A arte da ficção impelindo ao mundo as verdades!! Maravilha de viver, compreender e perceber. O que as cabeças idealizaram em primeira mão, os corpos sedimentaram em segunda ida. A nós, a alma. Insuflada nos corpos de pó, poeira e terra seca. A água das lágrimas, do suor e do carro de apoio fizeram de nós a massa primeira ancestral da criação. A realização em realidade da filosofia mitológica do barro que cria. E o sertão ali, sorrateiro-pleno, acordado inteiro, insuflando ventinhos para dentro de nós.Entrar ali é entrar em duas dimensões gigantes estando no mesmo lugar. O sertão de todos, o sertão do Rosa. Para transitar de um ao outro sem enlouquecer ao som do vento a gente tinha como que a pausa da existência, o recitar do homem que leva a palavra de Guimarães no beiço, Elson. E para a alma, os guias. De uns, o sol, outros a lua. A estrelaiada é a constelação de anjos para eles. O comandante Fidel dos jagunços urbanejos do sertão, a docilidade no homem em riste que abre os caminhos e garante a ida, a abertura de trincheira, os esclarecer dos matos. O guia celeste, aquele que nos une ao céu em puro, o Célio. O Bergue, nosso xamã curandeiro clérigo guia, que cuida de nossas colunas fingindo que alinhava os pés pelas bolhas, generosidade em abundância guardada dentro de castanhas de baru. O baru! Esse que melhora o colesterol, dá força e juventude, alegria aos casais e alimento a tantos. O guardião da retaguarda do bando, o que aceita o arrematar a travessia, o garantidor dos rastros, a salvação dos observadores mais aprofundados na arte do caminhar sem a pressa da dúvida, o Fanta. O homem um, o um em tantos, o cantador de aboios que nos lembra o ontem e nos faz pensar o amanhã, e sua presença é já. O Jao. E onde há guia, há discípulo dos caminhos. Como lã de carneiros que, na juventude, já vem para nos proteger, compreendendo nos passos tantos os rumos dos do ano que vem, a Lana. E aquele, o famigerado, o estapafúrdio, o sem beiradas de comparação, o papa-léguas do sertão, que tanto admiro, o seu Agemiro. É como o mago supremo talhado em resiliência e arguido em cacto. Importa pouco a secura do mundo, o que ele guarda dentro é água em nascente. Assentados, em beirada de pedra na cachoeira do churrasco eu perguntei a ele pedindo: “Seu Agemiro, fala-me, por favor e obséquio, algo de sabedoria de vida?” – ao que ele me olha, sem a pestana cintilar e me solta para os peitos: “Você quer uma receita? Toma café da manhã, almoça e janta. Pronto. Assim você sobrevive”. É. O sertão. Eu admiro. Resguardo as dúvidas e finjo exibir só as certezas, ele que se mostre para me carcomer entre sol e lua, e guias e setes e amanheceres. Eu sou puro ruminar.E da alma, os guias. Dos seres humanos, a astrologia, a psicologia e a escola de carinhos que o sertão foi. As cachoeiras de reabastecimento dos cantis de dentro. O terreno! Esse faz de cuscus com obra mal queimada em comida guardada de terceiro dia! Sim! O terreno! Pior em cada passo, tenebroso a cada dia. Com um tanto de íngreme a mais que o joelho não mede, mas a coxa caleja. O areal! A areia. Percebem? Os nossos passos ali são os anos! Todos! Um mais pesado que o outro, e depois do outro, mais areia!! E mais areia e poeira e espinhos novos, des-inventados ainda um mês atrás, certeza tenho! A-há!! O sertão diz! Gargalha de bocejar do óbvio que pra si ele deve que ser talvez. Nós caímos na pegada do sertão. Quando melhorou, pareceu, o buraco veio. Não. O buraco foi. Eita. O buraco ali, é paradoxo, porque é um só e é todos. O buraco vão com a gente! O vão dos buracos, o canto mais resguardado de nascente de rio é o maior labirinto pros pés, os olhos, os ouvidos e as águas. É....... as águas. Quem, tendo vivido, visto, ido, bebido, cheirado, benzido e curado há de ter coragem carecida para decidir escrever em linhas o que é a tal dela? A famigerada. A que salva os dois pontos do título do livro do Rosa. Por favor. Se alguém explicar o que é a vereda, conta-me não. Porque para mim ela só pode ser família. O resto é mato.O sertão, moços e moças. Guardou minha alma. Ele não pediu. Não pactuei. Ela foi sendo ele. E é. Achei que não tinha voltado, que o corpo não queria dar o download. Foi não isso. Foi nada. É que de antes de ir até agora que fui eu estou é indo. E vou. Até que fui.A você, qualquer um que careceu de ter coragem de chegar até aqui, ou loucurinha mesmo, obrigado por ter caminhado em lado mais eu. Você me ampliou por me fazer horizonte seu. Isso eu amo.Até mais ver.
Outos autores
Ver todos